quinta-feira, 25 de junho de 2009

Fortuna



"1. A maior parte dos mortais, Paulino, lamenta a maldade da Natureza, porque já nascem com a perspectiva de uma cruta existência e porque os anos que lhes são dados transcorrem rápida e velozmente. De modo que, com a exceção de uns poucos, para os demais, em pleno esplendor da vida é que justamente esta os abandona. No entanto, como se imagina, não apenas o comum dos mortais ou a massa ignorante sofre desse mal geral, pois, ao afetar também os homens cultos, seus efeitos geram muitos lamentos. 2. Por isso, aquela expressão do pai da medicina: "A vida é breve, a arte, longa". Por isso, o intento de Aristóteles (não próprio de um homem sábio) com a Natureza, exigindo um mínimo de eqüidade: "A Natureza concede aos animais um tempo de vida tal, que lhes permite ver passar cinco ou dez gerações; ao homem, nascido para realizar muitas e grandes coisas, fixa um limite mais breve". 3. Não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas. Ao contrário, se deperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma obra é concretizada, por fim, se não se respeita nenhum valor, não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai. 4. Desse modo, não temos uma vida breve, mas fazemos com que seja assim. Não somos privados, mas pródigos de vida. como grandes riquezas, quando chegam às mãos de um mau administrador, em um curto espaço de tempo, se dissipam, mas se modestas e confiadas a um bom guardião, aumentam com o tempo, assim a existência se prolonga por um largo período para o que sabe dela usufruir.
(...)
Poderás ver os homens mais poderosos, ocupando os mais altos cargos, demonstrarem que querem e louvam o ócio, preferindo-o a todos os seus bens. Desejam, por pouco que seja, abrir mão de sua posição, se possível com segurança, pois, embora nada que venha de fora a ameace ou abale, por si mesma a fortuna se desfaz."

IN: Sêneca. Sobre a brevidade da vida. Porto Alegre: L&PM, 2006, p. 25-33.
Imagem de uma edição de De Casibus Virorum Illustrium (Sobre a vida de homens ilustres), de Boccaccio, 1467.


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