domingo, 21 de junho de 2009

Fracasso e políticas da existência: desabafos e desabamentos

A palavra fracasso remete a diferentes possibilidades interpretativas, de representação e subjetivação. Fracasso enquanto erro, insucesso, negação, impossibilidade, perda, entrave; fracasso enquanto possibilidade, brecha, desvio, bifurcação, fissura. Fracasso enquanto temática de reflexão e pesquisa acadêmica.
Desde o momento em que esta palavra se tornou o assunto principal da disciplina, o que invade os meus pensamentos é o fracasso da política. Não essa política partidária a qual estamos acostumados a falar, a ler nos jornais e assistir de camarote os seus impasses; mas uma política da existência, política enquanto ação cotidiana, mais precisamente e tomando um termo de Michael Foucault, micropolítica.
Pois se há algo que fracassa é a própria subjetividade humana, assujeitada aos padrões majoritários, submissa a normas de existência. E se desde a primeira infância somos forçados a aprender as binariedades dos discursos de poder, as regras, os certos e errados, também aprendemos a viver uma vida que fracassa ao negar a nossa própria atitude política perante a sociedade, nas palavras de Félix Guatarri, perante o Capitalismo Mundial Integrado, esse mesmo que nos envolve e nos lança no globo.
Somos seres políticos; estamos inseridos em um fluxo acelerado de produção/consumo, relacionamo-nos com o entorno, com o outro, com a cidade. Estamos em Belo Horizonte, capital mineira, cidade dos morros, das praças, dos bares, do cinzento e poluído rio Arrudas, das avenidas em obras, do trânsito caótico, do sangrento jornal “Super”, das sangrentas notícias que vão para os jornais, das disputas políticas partidárias, das políticas públicas em crise. Sim, crise, assim como essa crise econômica mundial que assola a sociedade global afetando-a por completo. Fracasso, no sentido negativo em que a palavra carrega: erro, insucesso, impossibilidade, perda.
Pensando em política partidária, no sentido macro da palavra, macropolítica, política da visibilidade e da dominância, estamos em um momento único (novamente, de 4 em 4 anos), momento de novo governo, de trocas políticas, de novos projetos, de remanejamentos. Nesta passagem, as políticas públicas ficam atravessadas de interesses e disputas. E em momentos de crise, as políticas públicas culturais são as primeiras a se afogarem na lama da subjetividade assujeitada aos valores outros que não os culturais.
Os projetos públicos culturais viabilizados pela cidade nos anteriores 4 e 8 anos estão estacionados. Os 36 Centros Culturais construídos nos últimos 10 anos estão com as portas abertas e as salas vazias: sem recursos que viabilizem eventos artístico-culturais, com as bibliotecas fechadas por falta de bibliotecários (mesmo depois de haver concurso público com muitas vagas disponibilizadas para este setor), os freqüentadores do espaço passam a ser os porteiros e os guardas municipais contratados para zelar pelo patrimônio público.
Alguns projetos culturais ainda resistem em um último suspiro: com adicionais de verbas do governo anterior, esses projetos insistem em atividades artístico-culturais nos Centros Culturais espalhados pela cidade, numa tentativa de democratização e descentralização da cultura, oferecendo acesso a todos. Todos? Não, mera ilusão. Muitas são as pessoas que batem nas portas dos Centros Culturais interessadas em participar dessas atividades, mas não são atendidas por não haver mais espaços nos escassos projetos.
Até aqui mera denúncia. Passemos agora para o duplo da palavra fracasso como tentativa de subverter essa denúncia-desabafo e não deixá-la simplesmente escancarada em verbos sem possibilidades de novas passagens. Fracasso enquanto brecha, desvio, bifurcação, fissura. Pensemos na micropolítica.
Michael Foucault, no texto “Microfísicas do poder”, estabelece distinções entre estruturas macro e micro: a macropolítica e a micropolítica. Em Foucault, a política é entendida como relação entre forças, relação esta não necessariamente ligada a modos de dominação e repressão, mas relações pensadas como potência. Em qualquer relação há sempre um encontro de forças e nesse encontro há sempre uma diminuição ou aumento de potência delas. Força e poder. Toda força pode se agregar ou resistir à outra força e por isso toda relação de força é uma relação de poder. A cada relação, portanto, em toda relação de espaço, de saberes, de mídia, de sujeitos, há uma relação de poder. Este, então, não se configura como um poder central que submete as pessoas, mas ele está entre as pessoas, nas práticas cotidianas de cada coletividade. E é aqui que se encontra a política, inserida no cotidiano das relações: macropolítica e micropolítica.
A macropolítica é visível nas organizações estatais ou em grandes corporações, nas decisões de poder impostas por regras institucionais, ou seja, em macro-estruturas. Mas a política atua também na esfera micro. A micropolítica trata do campo das forças, do que é invisível, na medida em que essas também produzem realidades, afetos, desejos, enquanto a macropolítica trata das formas, do que é visível. A micropolítica interessa-se em fazer do cotidiano o território de invenções de outros modos de vida.
Caminho pela cidade. Pausa. Suspiro. Pensar em política nesse momento implica pensar nas relações de forças que transitam pelas tessituras das cidades, diminuindo ou aumentando suas potências, suas previsibilidades e suas possibilidades, estabelecendo relações com os corpos inseridos nestes espaços urbanos. Penso na arte enquanto ação micropolítica, provocadora de brechas na obviedade cotidiana, arte urbana, esparramada nas vias públicas oferecendo outros movimentos e tensões, outras cores e atravessamentos, pequenos rasgos no sistema, promotores de diferenças. A experiência estética introduz o novo enquanto possibilidade construtiva da existência.
Através de ações artísticas dissolvidas no cotidiano contemporâneo e na vida humana, abrem-se frestas de interferência a novas significações simbólicas e poéticas nas vias urbanas. Uma possibilidade de micropolítica pelas vias de arte; porém outros canais para esta ação de força existem também potentes e provocadores. Cabe a cada um, pensar na sua forma de arriscar em micropolíticas que, de fato, produzam outros modos de se relacionar com o entorno.
Sentados no sofá da sala, em frente à televisão, criticando o poder público e as macro-estruturas não chegaremos a nada além da denuncia. E denuncia por si só não provoca deslocamentos. É necessário outras atitudes, outros movimentos, outros trânsitos, outros pensamentos para se pensar em novas políticas da existência para este lugar que habitamos.

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