terça-feira, 21 de julho de 2009

"O APAGAMENTO DA REALIDADE E A FOTOGRAFIA COMO A ARTE DA DESAPARIÇÃO


“A câmera é um modo fluido de
encontrar essa outra realidade."

Jerry N. Uelsmann


Muitos foram os autores que discutiram a problemática do simulacro a partir de um questionamento do que consideramos efetivamente como realidade. Dentre as muitas questões, uma é a que levantava dúvidas quanto ao status da fotografia enquanto instrumento de registro documental do mundo. A partir do reconhecimento de uma nova, ampla e complexa dimensão epistemológica, alguns de seus conceitos são revistos, resultando numa negação de sua ilusão mimética e sua consequente projeção a uma nova condição de elemento indutor do despertar de possíveis “ficções da realidade”.

Desde cerca de cem anos após sua descoberta, a partir de 1929, estudos ligados à crítica de fontes, desenvolvidos por diferentes correntes da teoria da história embasadas na linha da escola dos Annales
[1] e nos ensinamentos de Marc Bloch e Lucien Febvre, ao avaliar o alcance e potencialidade da fotografia enquanto documento iconográfico (uma das fontes mais preciosas para o conhecimento do passado), já dava conta de que tal forma de registro guardava em si apenas indícios, uma face externa da história, fornecendo um conhecimento fundamentado apenas em aparências[2]. Era o despertar para a compreensão da fotografia, não como uma mera soma de signos, mas como um novo órgão da cultura humana que tornava possível, não um número finito de entendimentos, mas um tipo geral de conduta que abria um vasto horizonte de investigações. Um registro suficientemente crítico para nele descobrirmos, na sua constituição mesma, os indícios de outra configuração ideal. Revelava-se a partir de seu papel cultural, um determinado caráter ambíguo enquanto documento de registro do real, dado o poder de informação ou - segundo um determinado pensamento positivista - de desinformação, por sua capacidade de emocionar e transformar, de denunciar e manipular. A imagem fotográfica redefinia assim, sua dimensão expressiva e suas amplas possibilidades interpretativas, não mais apenas como meio de apresentação, mas também de representação das inumeráveis atividades humanas. Mesmo que por um instante, durante a gravação da imagem, houvesse uma conexão com o fato real, a chamada evidência fotográfica não poderia jamais deixar de ser questionada pelo reconhecimento de que sua verdade era fruto de uma construção técnica, estética, cultural e ideológica.

A chamada evidência documental fotográfica para muitos é considerada o mais ardiloso estratagema sobre o qual, a partir de um pretenso estatuto de reprodução verdadeira dos fatos, se estribam processos de afirmação de realidades, tendo seu uso em estudos etnográficos, por exemplo, servido nos estudos mais antigos e, em alguns casos ainda hoje, como instrumento de dominação. James Clifford lembra que a pesquisa etnográfica é um processo interpretativo muito mais complexo que o simples ato de documentar ou coletar dados e informações. O etnógrafo impõe à realidade sua narrativa, já que tal realidade não pré-existe como algo que simplesmente aguarda o momento de ser descoberto. Metáforas e figurações contidas na narrativa afetam diretamente os modos como um fenômeno cultural é registrado, desde as primeiras observações coletadas à conclusão da pesquisa, em função do poder que tais configurações têm de construir um sentido determinante no ato de sua leitura. Não se trata de relações objetivamente dadas que têm a mesma aparência a partir de cada ângulo de visão, mas sim interpretações profundamente perspectivas, modeladas pelo posicionamento histórico, lingüístico e político das diferentes espécies de agentes
[3]. Para alguns pensadores pósmodernistas, a noção de uma divisão entre gêneros de escrita ou de coleta de dados fotográficos, seja como um estudo etnográfico, um registro de viagem, um ensaio jornalístico ou mesmo de uma ficção, são falsas. Sua categorização na melhor das hipóteses pode representar apenas uma necessidade de distinção de estilo, mas por outro lado, podem se constituir em discursos que encobrem estratégias de manutenção de dominação e afirmação de autoridade. Em ambos os casos, tais divisões são entendidas hoje como mitos, não havendo sentido algum em sustentá-las. Por esse motivo, etnógrafos contemporâneos, mixam estilos e gêneros tanto na escrita como na coleta e utilização de dados fotográficos, confundindo autobiografia, biografia, etnografia e até mesmo ficção e não-ficção em suas pesquisas[4].

Mas talvez a mais emblemática cisão de seus princípios miméticos seja a que trata, no campo da história, do registro de seu agente: o homem. São inúmeras as questões que permeiam a impossibilidade do retrato fotográfico se constituir num documento fidedigno de registro da pessoa fotografada. Ao
analisar a relação da câmara fotográfica com o rosto humano, Baudrillard faz do retrato um ato de desfiguração e despojamento do caráter do modelo.

The enigma of Isador Ducasse, 1920. Man Ray.

Confrontada com a encenação que o indivíduo fotografado faz de si, a objetiva não consegue idealizá-lo ou transfigurá-lo como imagem[5]. Barthes, em seu texto A câmara clara, localiza no retrato fotográfico o ponto de encontro e de confronto entre quatro “personagens”: aquele que o retratado acredita ser; aquele que desejaria que os outros vissem nele; aquele que o fotógrafo acredita que ele seja; aquele de que o operador se serve para exibir sua arte. São questões que, mais do que apontar para alguma limitação de natureza técnica específica, tratam propriamente de uma diluição do conceito de identidade, ao qual a fotografia pretensamente deve servir. Vivemos hoje a ditadura de padrões normalizadores de conduta, a luta da adaptação mimética como única forma de autopreservação - se é que resta ainda algum eu a ser preservado. Certamente em função de tal situação, Stuart Hall afirme ser mais apropriado refletirmos sobre tais questões nos dias de hoje, a partir da superação do entendimento de identidade, como algo definitivo, pela noção identificação, como um estado cambiante, em permanente processo de transformação[6].

A singularidade do mundo que habitamos passa por profundas reformulações filosóficas, culturais, éticas, estéticas, políticas, sociais e econômicas que se traduzem em discursos, não só dessas disciplinas, mas de inúmeras outras, em termos como lugar, não-lugar, entre-lugar, virtualidade, (des)territorialização, dentre tantos outros. Pela impossibilidade de captura da essência dessa realidade que se desmaterializa, a fotografia converte-se ao mesmo tempo em documento e agente dessa profunda mudança que se opera numa sociedade paradoxalmente cada vez mais pautada pelo código visual, seja na consciência da identidade do indivíduo, seja em seu entendimento acerca do mundo que o cerca.

Os poderes da fotografia, de fato, têm desplatonizado nossa compreensão da realidade, tornando cada vez menos plausível refletir nossa experiência à luz da distinção entre imagens e coisas, entre cópias e originais
[7]. Mais do que afirmar seus limites, torna-se imperativo compreender a dimensão fotográfica a partir de uma arqueologia da imagem, capaz de alcançar, menos pela caça ao alvo da caixa preta de Vilem Flusser e mais pela afetividade da câmera lúcida de Roland Barthes[8], as camadas sensíveis que revestem toda forma de experiência humana.


Alexandre Sequeira

[1] A chamada Escola dos Annales constitui-se num movimento historiográfico. Recebeu essa designação por ter surgido em torno do periódico académico francês Revue des Annales, tendo destacado-se por incorporar métodos das Ciências Sociais à História. Geografia, cultura material e o que posteriormente os Annalistas chamariam de mentalidades ou a psicologia da época, passariam também a ser incorporadas como áreas de estudos afins.
[2] In: KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Cotia,SP: Ateliê Editorial, 2007, p.29.
[3] APPADURAI, Arjun. Disjunção e diferença na economia cultural global. In: FEATHERSTONE, Mike (Org.). Cultura global /3aEd. Petrópolis: Vozes, 1999.p.312.
[4] CLIFFORD, James. On the Edges of Anthropology. Chicago: Chicago University Print, 2003. Apud: EDLES, Laura Desfor. Cultural sociology in practice.21th Century Sociology collection. London: John Wiley, 1991.
[5] FABRIS, Annateresa. Identidades Virtuais. Uma leitura do retrato fotográfico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. p 75.
[6] In: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p. 39.
[7] In: SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p.196.
[8] Pensamento formulado por Paulo Herkenhoff no Catálogo do 26° Arte Pará. Belém: Fund. Rômulo Maiorana, 2007. p.72.

sábado, 18 de julho de 2009

Atos e eventos: do urbano ao campo e vice-versa

Diz-se de um instante em que o ser latente,
no percurso de hominização, descolou-se da natureza.
E, assim, abriu um hiato entre ele e a paisagem.

Desde a revolução industrial, os movimentos artísticos periodicamente optam por deixar de lado a sujeira e a esqualidez do planeta. A tecnologia e o progresso eram considerados racionais e pragmáticos, enquanto as regiões selvagens eram encaradas como espaço utópico de liberdade e de possibilidades. Isso foi explorado pelo movimento da “land art”, que desde sua concepção, nos anos 1960, deixou de lado a estética modernista e a hegemonia financeira do mercado das artes.
A Land Art, interferindo na natureza, fez com que os espaços naturais e também as paisagens alteradas industrialmente se convertessem em material de configuração artística. Em ambientes distantes e despovoados da Terra - desertos, lagos, geleiras, montanhas - artistas escavaram significados, traçaram linhas sobre o terreno, tingiram superfícies, empilharam pedras, reordenando os lugares.
Hoje, se mostram como registros efêmeros da presença do homem e da artisticidade em regiões vazias e silenciosas. São interferências de protesto contra a estética do plástico e do metal, contra a polida perfeição industrial. Ou ainda nas palavras de Anne Cauquelin (A Invenção da Paisagem), “uma tentativa ética de devolver a terra seu estado primeiro, livrando-a das devastações humanas por meio de certa disposição particular do sítio no sítio”.
No âmbito da produção escultórica, os artistas utilizaram a vastidão dos espaços naturais como verdadeiro objeto artístico. Espaços que o sentido privilegiado do olhar não conseguiria controlar.


A questão da exploração desses espaços naturais consiste nas relações entre arte e imagem com a realidade natural, mesmo quando tais relações vêm negadas, deformadas, abstraídas ou de invenção surrealistas, onde a relação não é superada, mas apenas polemicamente revirada.
No pensamento de Umberto Eco (semiótica da cultura), ele aponta um paralelo entre as operações da natureza e as operações artísticas: “[...] a arte opera como a natureza, isto é, produz objetos com uma estrutura unitária, coisa entre coisas, organismos autônomos, formas vivas”.
Nesse sentido, a arte corresponde a um tipo de maneira de produzir objetos no mundo. Sua condição de fazer antecede a sua condição sígnica, e este fazer se assemelha ao modo como a própria natureza gera seu repertório de seres.

Para o antropólogo Claude Lévi-Strauss, o declínio das relações entre o homem e a paisagem natural está claramente apresentado nas obras de arte, a partir do final do século XIX.
Da análise do declínio das relações entre homem e natureza, podemos pensar atitudes afirmativas e empáticas do homem com o mundo natural em constante processo de deslocamento. A invenção e a ampliação da nossa visão de paisagem – paisagens subterrâneas, submarinas, aéreas, planetárias, sonoras. O que se modifica é a própria dimensão da artisticidade. Diante da morte de um tipo de paisagem – tal como é anunciada por Lévi-Strauss, o olhar do historiador da arte contemporânea nos permite encontrar novas paisagens. Ou inventada (Anne Cauquelin) segundo a qual “a noção de paisagem e sua realidade percebida são justamente uma invenção, um objeto cultural patenteado, cuja função própria é reassegurar permanentemente os quadros da percepção do tempo e do espaço, é, na atualidade, fortemente evocada que preside a todas as tentativas de “repensar” o planeta como eco-sócio-sistema”. Aqui, a arte pode ser pensada no âmbito de uma reinauguração do relacionamento humano com o ambiente natural.



Das relações entre arte e natureza (Land art e Earth art), se instauram uma diversidade de problemáticas, envolvendo a constituição de um evento em sites specific ou não: a reafirmação da artisticidade da natureza e do belo natural; o restabelecimento do lugar do natural na arte; os registros como continuidade do efêmero, etc.
Abre-se aí uma série de discussões sobre as possibilidades do fracasso em cada desejo de instaurar o natural no natural, o artificial no natural e em alguns momentos seus paradoxos.


A discussão do espaço está embutida nele mesmo. Uma instalação que foi feita no campo poderia acontecer em outro espaço? Muitos artistas concebem projetos específicos para o espaço mesmo quando vão expor em uma galeria mostra uma tentativa de particularizar cada situação. Além disso, uma incontornável descrença em relação à ideologia do "cubo branco" (o espaço neutro em que a arte se posta em sua autonomia) faz com que toda obra se deixe contaminar pelo entorno: Já que nenhum espaço é neutro, todo projeto artístico pode ser “site specific“.
Onde se instaura o fracasso? No resultado visual ou no deslocamento das subjetividades? Isso pode ser considerado um fracasso ou um desdobramento das experiências que naturalmente sugerem desvios?

As fotografias se referem ao 'site specific' quando trazem para outro âmbito a fisicalidade da obra. A princípio a documentação das obras fotografadas, seria uma espécie de atualização da "land art" (natural ou urbana). Em "A Escultura no Campo Expandido" (1978), da crítica de arte norte-americana Rosalind Krauss, sugere o entendimento da "land art" como uma extrapolação do campo tradicional da arte. "As intervenções na paisagem constituem um primeiro momento do 'site specific', o deslocamento dos registros para o espaço do museu, um segundo", explica.
E haveria ainda um terceiro momento em que o "site specific" não está mais no espaço referente nem no institucional, mas no campo da informação (internet e publicações). "Trata-se do 'site specific' extrapolado."
A fotografia pode ser uma aliada ou não, partilhar ou não, e nesse sentido fica sempre a relação de modos que cada um deverá imprimir em seu projeto, seja ele urbano ou na natureza. O que fracassa nesses percursos, pode estar relacionado ao sujeito que idealiza o projeto, o executa e expõe.

Nesse sentido retomo parte das reflexões de meu texto anterior sobre as experiências dos situacionistas nas cidades. O denominador comum entre essas ações seria o fato de que nelas a paisagem será sempre como um campo de investigações artísticas e novas possibilidades sensitivas, se mostrando de maneiras múltiplas de analisar e estudar o espaço natural através das experiências e suas expansões/extrapolações, onde o fracasso pode ou não ser objeto de diálogos.

Trabalhos de bya medeiros e fotos de Cuia Guimarães.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Dificuldades da comunicação através do objeto de arte.

Apesar de ser este um blog no qual postamos conteúdos de caráter teórico, gostaria de contribuir com algumas conclusões e reflexões acerca da intervenção urbana de caráter prático conquistadas no trabalho de rua e do dia-a-dia.

Em um primeiro momento, não achei pertinente dividir estas conclusões com o grupo por se tratar de uma experiência individual mas, analisando com calma, percebi que as impossibilidades, possibilidades, erros, acertos de um trabalho prático poderiam contribuir nas discussões do grupo.

Abaixo, estão três imagens de uma intervenção que realizei para a conclusão da Pós-Graduação em Arte e Contemporaneidade. É uma escultura em madeira que abraça a escultura de aço de Franz Weissmann na porta da Escola Guignard.



Na primeira imagem está a escultura de madeira que se entrelaça à escultura de Weissmann. Na segunda imagem, a escultura de madeira que desaba aos poucos. Na terceira, a escultura quase toda no chão.

Todo o processo desta intervenção me fez lembrar a Roda da Fortuna. Ascensão e queda. O belo do início e o feio do final. Não que tivesse sido proposta do trabalho, mas pela seqüência de acontecimentos durante sua exposição. As formas eram leves, belas aos olhos e mantinham uma harmonia com a escultura já existente do Weissmann. A estrutura de madeira foi desabando no decorrer dos dias e este fato, que possibilitou inúmeras conclusões em torno da pesquisa nos espaços urbanos, embora não desejado, sempre foi uma possibilidade, por ser uma estrutura leve e que estava fora da galeria. Já era previsto que talvez o vento forte ou a interação direta com o público pudesse causar avarias no objeto. O desabamento chamou mais a atenção do que as propostas do trabalho. Propostas estas que se baseavam em duas questões que me pareciam óbvias, mas que o processo mostrou o contrário. São elas: Porque uma intervenção contemporânea em uma escultura de 1950, 1960? Porque uma escultura tão leve (a de madeira) não estava na segurança propiciada pela galeria junto com os outros trabalhos? Lembro-me agora do que disse a convidada do Café Kilimanjaro, Áurea de Araújo Porto, que o fracasso depende do ponto-de-vista de quem o analisa. A preocupação e a dificuldade que temos de trabalhar com o acaso e com o que foge ao nosso controle fez com que houvesse uma falha na comunicação. O desabamento, que para a maioria era erro, para mim era possibilidade; e o que para mim era erro (impossibilidade de me fazer entender), para os passantes não era nada.

Apesar da idéia, do conceito, da realização do trabalho, das conclusões, dos erros, dos acertos e das impossibilidades, o que é mais satisfatório nestes trabalhos com intervenções são os pequenos resquícios e sobras das ações. Se olharmos com calma na última imagem, veremos que um novo espaço foi modificado atrás da escultura de aço. Houve uma nova interferência no gramado com pequenas flores de arame e plástico. Talvez feita por uma pessoa que tenha sido a única a perceber o que realmente eu quis comunicar.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Entornos





Acordo. Outro dia. Continuo inserida nas políticas da existência, viva, acompanhando as notícias dos jornais, da internet, estabelecendo trocas com o meio, com o outro, com o entorno. Sou corpo, pele, carne, ossos, órgãos, organismo, nome, sobrenome, transeunte, cidadão do mundo. Na bolsa, carteira, RG, CPF, CNH, título eleitoral, cartões de banco, chaves de casa, um livro que me tire daqui mesmo que por alguns minutos. Aguardo.
As notícias continuam as mesmas de ontem e anteontem; os jornais organizam sua estrutura editorial por temáticas. Após uma explosão de matérias provindas de diversos meios, mídias, conversas, cochichos sobre a morte do “rei do pop” Michael Jackson, novamente vem à tona a mesma notícia do escândalo do Senado, das contas fantasmas, das políticas da boa vizinhança e do parentesco. A velha novidade de sempre: o Brasil está em crise.
Estamos em crise: crise da política, crise da identidade, crise da autonomia, crise da subjetividade. Com febre, caminhamos pelas vias públicas com passos pálidos. O céu está cinza; há uma nuvem preta que paira no ar. Mormaço. Sufoco. Desanimados, continuamos a freqüentar nossos mesmos lugares de sempre, cumprindo nossas metas: dias úteis, horários de trabalho, horas extras, finais de semana, feriados, férias remuneradas. O relógio da sala continua congelado. A pia do banheiro pinga. Quando é que terei tempo e dinheiro para consertá-la?
Ainda insisto em pensar a política: macropolítica e micropolítica. Mesmo deixando de lado a bibliografia de Michael Foucault e buscando outras reflexões nas linhas de Gilles Deleuze e Félix Guattari. São as linhas molar, molecular e de fuga, emaranhadas entre si, produtoras dos modos de reprodução, composição e invenção subjetiva e social, quem me dão outros subsídios para deslocar meu pensamento, elaborar minha escrita, dar passos ritmados. Animada, ensaio letras, outros passos, uma coreografia. Sucesso ou fracasso?
Inserida num molar de macroestruturas rígidas posso registrar pegadas em um plano de composição, passos de dança, uma coreografia. Voltando a conversa anterior sobre as políticas da existência, fugindo de tudo o que cristaliza, estabiliza e conforta, busco brechas para exercer a micropolítica que está ao meu alcance. Dança. Improvisação.
Mais um projeto cultural da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte se paralisa. Outro suspiro. O Arena da Cultura fecha seu território, sem previsões de quando será a reabertura. Os Centros Culturais esparramados pela cidade também não terão mais essa atividade, as artes não mais preenchem as salas desses centros descentralizados. Sobram blocos de vazio, buracos negros, muros brancos. Silêncio.
Onde posso encontrar canais que me possibilitam estimular o exercício de meu pensamento? Que percurso seguir para participar das políticas públicas culturais em minha cidade? Macropolítica e micropolítica de Foucault. Linhas molar, molecular e de fuga de Deleuze e Guattari.
Nesse macro-molar busco micro-moléculas. Quero fugir de um mundo marcado pela corrupção. Brechas. Após o desabamento de um ultimo projeto em atuação pela Fundação Municipal de Cultura me encontro desempregada. Sem a carteira assinada pela FUNDEP, Fundação de Desenvolvimento e Pesquisa, que também está envolvida nessa paralização em macro-escala da Prefeitura devido a escândalos financeiros, continuo a persistir na dança, na micropolítica em linhas de fuga.
Do fracasso molar de macropolíticas caóticas, abre-se um plano de composição com fissuras, buracos de possibilidades. È fundado, em grupo, um coletivo em dança autônomo e autogestor, pelos ex-alunos do recém falecido Arena da Cultura (lembro: o defunto poderá ressuscitar a qualquer momento, só não me pergunte em que dia ou em que ano).
Pensando nessas nossas políticas da existência, criando canais diretos entre arte e política, dança e micropolítica, o lugar da cena escolhido pelo coletivo é o espaço público urbano, as ruas da nossa cidade. Quinzenalmente, aos sábados pela manhã, o coletivo está se encontrando em um determinado local da cidade para exercitar a dança, a improvisação, compondo com paisagens urbanas, oferecendo outros diálogos entre corpo e cidade. Corpos se esticam, torcem, entram em contato direto um com o outro, deitam-se no chão. Corpos em estado de dança.
Desta forma, por essa dança coletiva urbana as avessas, busca-se estabelecer outros elos entre arte e vida pública, abrindo frestas de interferência a novas significações simbólicas e poéticas nas vias urbanas, outras formas de política, de atitude em tempos de inércia. São linhas de fuga em um mundo marcado pela previsibilidade dos acontecimentos; tentativa de exercer uma política da criação, de direito de todo e qualquer cidadão.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Encontro: Escola de Belas Artes

30/06 - Encontro de fechamento e definições da continuação dos trabalhos, através de Módulo II da disciplina a partir de agosto. Cronograma: Último dia para envio de texto final: 23/07 - (as instruções de postagem serão enviadas pela Graziella, por email). Distribuição de conceitos: Participação e Presença; Colaboração nas discussões no Blog; Texto final (a ser enviado para o evento ao invés de postar no Blog, devido à extensão do conteúdo, 3 a 4 laudas).
Também foram iniciadas as definições sobre o Evento de novembro e os conteúdos dos próximos encontros no II semestre, após breve visita à exposição The Art of Failure, na internet.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Objeto–Linguagem–Sentido–Imaginação–Desejo



Objeto – Linguagem – Sentido – Imaginação – Desejo

Cristiano Bickel e Samir Lucas

Falha, desvio, interrupção, perda, castração, transferência, repulsa, pulsão... esses modos comportamentais ou atitudes, desempenham funções psíquicas e, agem como elementos de constituição da arte. A arte como qualquer outro regime de símbolos é motivada por nossos instintos e desejos primários. O sujeito funda-se de um erro, ou melhor, de uma impossibilidade expressa na falta da satisfação e incompletude dos desejos.

Essa impossibilidade por sua vez, é fundadora do sujeito no mundo da linguagem, onde ele poderá expressar-se e interagir com os objetos. Porém, somente através da relação sujeito – objeto, que podemos alcançar as falhas, desvios, interrupções, perdas, castrações, transferências, repulsas, pulsões primárias e inconscientes. O confronto sujeito – objeto revela e oculta o conteúdo inconsciente que afirma o desejo.

De onde os artistas tiram a capacidade criadora não constitui questão relevante para a psicanálise. O objetivo primário do artista é liberar-se e, através da comunicação de sua obra a outras pessoas que sofram dos mesmos desejos sofreados, oferecer-lhes a mesma libertação . No exercício da arte podemos ver uma atividade destinada a apaziguar desejos não gratificados – em primeiro lugar do próprio artista, e em segundo lugar da sua assistência ou espectadores.

Freud nos diz que a psicanálise pode esclarecer satisfatoriamente alguns dos problemas referentes a arte e aos artistas, embora outros lhe escapassem inteiramente. Em sua extensa obra psicanalítica, podemos distinguir alguns textos com intenções de adentrar ao campo da arte e da estética, mas, no entanto, pouco auxiliaram ao avanço crítico destes campos. Freud não escreve uma teoria da arte em meio a teoria dos instintos ou da teoria da libido, mas coloca a Arte como parte dos elementos individuais e coletivos de criação e comunicação.

Em seus textos que abordam os princípios da psicanálise, quando explora a formação sujeito na constituição da linguagem e na, busca de realizar os desejos instintivos, encontramos material denso que auxilia o nosso entendimento sobre arte. Assim encontramos em textos como “Além do principio de prazer” e “O estranho” instrumentos teóricos que nos ajudam a formular algumas questões relativas a arte e aos artistas, sobretudo à condição do fracasso na Arte.

Assim, estabelecemos uma relação entre três elementos: objeto–linguagem–desejo, que nessa tríade constituem a base para o entendimento da arte pelo viés psicanalítico. Estando nos jogos de linguagem, a arte estabelece conexões objeto-linguagem-desejo, porém no campo da ilusão. Para Freud, a arte “quase sempre é inócua e benéfica; não procura ser mais do que uma ilusão (...) esta não tenta invadir o reino da realidade.”

A Arte é da ordem do artifício, podendo inclusive operar as faltas, os traumas, os desejos, as inseguranças, os afetos, porém engendra impossibilidades. Isso, coloca a arte no rol dos mesmos processos psíquicos que fracassam: a castração, o recalque, a perversão e o delírio. No seu sentido teleológico a arte afirma o confronto do sujeito com as coisas e sua impossibilidade de comunicação e de satisfação das faltas e incompletudes dos desejos.

Por outro lado, é próprio aos acontecimentos o fato de serem exprimíveis por meio de proposições. Diferentes proposições podem conter o mesmo significado, sua forma não influi diretamente em seu conteúdo. Deleuze aponta três relações distintas na proposição. São elas: Designação: Opera pela associação de das palavras com imagens particulares, que devem “representar” o estado de coisas exteriores. Manifestação: Trata-se da relação da proposição ao sujeito que fala. O enunciado de seus desejos e crenças. Significação: É a relação das palavras com conceitos universais. Implicação conceitual.

Em nenhuma destas três relações foi apontado o sentido. Onde então, encontramos o sentido? Qual a sua natureza? É difícil julgar a existência de palavras, coisas, imagens e idéias que respondam. Pois não podemos nem mesmo dizer a respeito do sentido, que ele exista: nem nas coisas, nem no espírito, nem como uma existência física, nem como uma existência mental. Diremos que, pelo menos, ele é útil e que devemos admiti-lo por sua utilidade? Também não, o sentido é estéril. Não se pode inferi-lo a não ser indiretamente.

O sentido não faz parte de uma proposição, não se trata de um signo de asserção, como “implica” ou “logo”, “o sentido antes de tudo é uma entidade inexistente, complexa e irredutível, que insiste ou subsiste na proposição”. O sentido é um acontecimento. Ele é o expresso da proposição. Esta dimensão ultima chamada por expressão, se distingue da designação, da manifestação, da demonstração. O expresso surge como a quarta dimensão da proposição.

Consideremos então o estatuto complexo do sentido ou do expresso. De um lado, não existe fora da proposição que o exprime. Daí porque o sentido não pode ser dito existir, mas somente insistir ou subsistir na proposição. Mas, por outro lado, não se confunde de forma nenhuma com a proposição, ele tem uma “objetividade” completamente distinta. O expresso não se parece de forma nenhuma com a expressão. O sentido se atribui, mas não é absolutamente atributo da proposição, é atributo da coisa ou do estado de coisas. Inversamente, este atributo lógico, por sua vez, não se confunde de forma alguma com o estado de coisas físico, nem com uma qualidade ou relação deste estado. O atributo não é um ser e não qualifica um ser; é um extra-ser. Mas aqui não se trata de um círculo. Trata-se, antes, da coexistência de duas faces sem espessura, tal que passamos de uma para a outra margeando o comprimento.

Inseparavelmente o sentido é o exprimível ou o expresso da proposição e o atributo do estado de coisas. Ele volta uma face para as coisas, uma face para as proposições. É, exatamente, a fronteira entre as proposições e as coisas. Ao mesmo tempo extra-ser e insistência, este mínimo de ser que convém às insistências. É neste sentido que é um “acontecimento”: com a condição de não confundir o acontecimento com sua efetuação espaço temporal em um estado de coisas. Não perguntaremos, pois, qual é o sentido de um acontecimento: o acontecimento é o próprio sentido. O acontecimento pertence essencialmente à linguagem, ele mantém uma relação essencial com a linguagem; mas a linguagem é o que se diz das coisas.

A arte serve a conhecer ou afirmar um sentido de mundo? Até que ponto um ato artístico é capaz de fixar um pensamento, um instante? Qual a potência e abrangência das ações materializadas nas concreções plásticas?

Questões cruciais ao fazer artístico que localizam-se nos estratos mais profundos do ato criador, provocam a especulação e a tentativa de demarcar intenções no próprio fazer da arte movida pela subjetividade.

A ação, que é a própria invenção do fazer, não se define apenas como elemento estanque aos seus dados constituintes, mas como movimento em fusões processuais e construtivas, fazendo incorporar e pertencer à forma características e sentidos não existentes antes da sua formação e, depois da ação criadora, passam a lhe pertencer como se fosse seu anteriormente, como uma “naturalidade” amalgamada.

A realidade que nos circunda é, por assim dizer, uma grande convenção, ou melhor dizendo, uma grande invenção. Talvez a maior delas se pensarmos no somatório de todos os acordos e convenções que juntos se apresentam a figurar o lugar do real. Contudo, por convivermos entre percepções acordadas que se fazem crer por seus acordos na dimensão ficcional dos objetos e, tão intrinsecamente vinculada à sua concretude material, que tal condição fenomenal da matéria soa distante, e não óbvia e natural, uma vez que remonta à própria constituição material, fragmentada, imaginária e em movimento, essência do nosso mundo enquanto sistema de objetos e de significações entrecruzadas na materialidade.

A arte faz-se, então, nesse lugar do encontro e da separação, da afirmação e do antagonismo, do abstrato que demarca concretudes, lugar do movimento, intangível, intocável, de sempre busca e infinitamente pulsante entre as coisas e o mundo. A produção artística funda-se, então, no fazer e, assim, encontra-se no mover, nesse estado de fluxo e refluxo em contínua oscilação autopoética por uma subjetividade criadora. Félix Guattari, assim, escreve:
Cabe especialmente à função poética recompor universos de subjetivação artificialmente rarefeitos e re-singularizados. Não se trata, para ela, de transmitir mensagens, de investir imagens como suporte de identificação ou padrões formais como esteio de procedimento de modelização, mas de catalizar operadores existenciais suscetíveis de adquirir consistência e persistência.

Nenhuma questão fecha-se com os trabalhos, nem eles mesmos têm essa função ou pretensão. Mas, sim, abrem-se outras visões e questões a essas, que são primordiais. A obra de arte retira das coisas seu aspecto de matéria ou mesmo de material acabado e revela o instante poético que tudo tem em si, de si, do outro e do mundo. A desordem psíquica que provoca o objeto artístico é uma reordenação na forma de ver o mundo e a sua ação está circunscrita à sua presença materialmente manifesta. O fazer artístico é um campo oscilatório e propaga-se simultaneamente por diversas ondas e freqüências, que cruzam em encontros poéticos, abrindo-se e fechando-se em questões, que se abrem e se fecham novamente.




Referências Bibliográficas

FREUD, Sigmund, 1856-1939. Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901). Volume XI. Edição Standard das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; com comentários e notas de James Strachey; em colaboração com Anna Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson; traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. — Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund, 1856-1939. Totem e Tabu e outros trabalhos (1913-1914). Volume XIII. Edição Standard das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; com comentários e notas de James Strachey; em colaboração com Anna Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson; traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. — Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund, 1856-1939. Além do princípio do prazer, Psicologia de Grupo e Outros Trabalhos (1920). Volume XVIII. Edição Standard das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; com comentários e notas de James Strachey; em colaboração com Anna Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson; traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. — Rio de Janeiro: Imago, 1996.

DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. Trad. Luiz Roberto Salinas FortesSão Paulo: Ed, Perspectiva, 1974.

GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Trad. Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. (Coleção TRANS)

domingo, 5 de julho de 2009

The Art of Failure

http://www.kunsthausbaselland.ch
Projeto de Sabine Schaschl e Claudia Spinelli
5 May -1 July 2007

"Estados de exagero emocional são terrenos férteis para a arte. Seja amor impune, desespero sobre suas próprias insuficiências, uma ideologia em desordem, o status quo da política, ou a inabilidade de se compreender o que se passa, culminando em crise existencial desde Samuel Beckett, o fracasso tem sido uma faceta indissociável da produção artística. Certamente tem sido suplantado por ambivalência, levando adiante experimentação e transitoriedade, e respostas deságuam enquanto questões se esvaem. Assim, trabalhos criados por muitos artistas nessa perspectiva são imbuídos de um sentido de permanente procura. Esse sentido não se acaba, ao contrário: nessas obras a ênfase é posta no seu próprio fracasso e no dos outros.

Fracasso é um fenômeno cotidiano, mas também ganhou um valor político. Com a falência das utopias socialistas e as convulsões do Bloco Oriental, o fracasso foi investido com uma dimensão adicional quase 20 anos atrás, o que deixou uma marca indelével na produção artística de uma geração inteira. Qual o melhor modo de dar conta do desmantelamento das sociedades e a erosão de valores mantidos por elas? Como novas idéias e objetivos podem ser formulados e posteriormente desenvolvidos? Não há de modo algum evidência sugerindo a existência de uma ordem universal emergente e universalmente válida.

Desde o final da modernidade e a perda de ideais absolutos, artistas tem sido cada vez mais chamados a responder às mudanças sociais em andamento, e o sentido concomitante de insegurança. Enquanto artista, como se pode agarrar a seu próprio num contexto de incessante questionamento e critica? As contribuições artísticas apresentadas em “The Art of Failure”são declarações abarrotadas de ambivalência e ironia. Criar algo provisório, nao-finito, ambíguo, mas ao mesmo tempo profundamente sério é um bom método para tornar o fracasso um ato obrigatório, e transformar perplexidade em arte.

A exposição “The Art of Failure” explora um vasto campo, englobando a banalidade da vida cotidiana, politicas e ideologias existenciais. Em outras palavras, está posicionada de modo intrigante na interface entre arte e vida."

artistas:Christoph Abbrederis, Nic Bezemer, Stefan Burger, Gerard Byrne, Róza El-Hassan, Ceal Floyer, Philipp Gasser, Sofia Goscinski, Asta Gröting, Pascal Häusermann, Anna Jermolaewa, Isabelle Krieg, Teresa Margolles, Deimantas Narkevi_ius, Roman Ondák, Elodie Pong, Max Philipp Schmid/Stella Händler, Santiago Sierra, Nedko Solakov, Erik Steinbrecher, Rosemarie Trockel, Gabriela Vanga, Ed Young

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Fortuna



"1. A maior parte dos mortais, Paulino, lamenta a maldade da Natureza, porque já nascem com a perspectiva de uma cruta existência e porque os anos que lhes são dados transcorrem rápida e velozmente. De modo que, com a exceção de uns poucos, para os demais, em pleno esplendor da vida é que justamente esta os abandona. No entanto, como se imagina, não apenas o comum dos mortais ou a massa ignorante sofre desse mal geral, pois, ao afetar também os homens cultos, seus efeitos geram muitos lamentos. 2. Por isso, aquela expressão do pai da medicina: "A vida é breve, a arte, longa". Por isso, o intento de Aristóteles (não próprio de um homem sábio) com a Natureza, exigindo um mínimo de eqüidade: "A Natureza concede aos animais um tempo de vida tal, que lhes permite ver passar cinco ou dez gerações; ao homem, nascido para realizar muitas e grandes coisas, fixa um limite mais breve". 3. Não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas. Ao contrário, se deperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma obra é concretizada, por fim, se não se respeita nenhum valor, não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai. 4. Desse modo, não temos uma vida breve, mas fazemos com que seja assim. Não somos privados, mas pródigos de vida. como grandes riquezas, quando chegam às mãos de um mau administrador, em um curto espaço de tempo, se dissipam, mas se modestas e confiadas a um bom guardião, aumentam com o tempo, assim a existência se prolonga por um largo período para o que sabe dela usufruir.
(...)
Poderás ver os homens mais poderosos, ocupando os mais altos cargos, demonstrarem que querem e louvam o ócio, preferindo-o a todos os seus bens. Desejam, por pouco que seja, abrir mão de sua posição, se possível com segurança, pois, embora nada que venha de fora a ameace ou abale, por si mesma a fortuna se desfaz."

IN: Sêneca. Sobre a brevidade da vida. Porto Alegre: L&PM, 2006, p. 25-33.
Imagem de uma edição de De Casibus Virorum Illustrium (Sobre a vida de homens ilustres), de Boccaccio, 1467.


domingo, 21 de junho de 2009

ENCONTRO 23/ 06: Agência Status

Rua Pernambuco, 1150 - Savassi

"Cara Mabe,

O professor Romero Freitas do Departamento de Filosofia da Arte de Ouro Preto, aceitou o convite. Ele achou a discussão muito interessante, e propôs apresentar o fracasso na obra de Paul Celan. Segundo o Romero, seu fracasso é exemplar e necessário, para apresentar a representação poética da Shoah. Depois abordará Benjamin e Kant (apontando as questões da iconoclastia).

Também virá Helton Adverse, professor do Depto. de Filosofia Política da UFMG. Como lhe disse, pedi a sua sugestão para unir a discussão sobre o tempo e fracasso. Ele me apresentou o tema da "Fortuna" - precioso para a arte no Renascimento e também para pensamento político do período.

Basta combinarmos o local.
Aguardo o seu retorno,
Angélica"




Fracasso e políticas da existência: desabafos e desabamentos

A palavra fracasso remete a diferentes possibilidades interpretativas, de representação e subjetivação. Fracasso enquanto erro, insucesso, negação, impossibilidade, perda, entrave; fracasso enquanto possibilidade, brecha, desvio, bifurcação, fissura. Fracasso enquanto temática de reflexão e pesquisa acadêmica.
Desde o momento em que esta palavra se tornou o assunto principal da disciplina, o que invade os meus pensamentos é o fracasso da política. Não essa política partidária a qual estamos acostumados a falar, a ler nos jornais e assistir de camarote os seus impasses; mas uma política da existência, política enquanto ação cotidiana, mais precisamente e tomando um termo de Michael Foucault, micropolítica.
Pois se há algo que fracassa é a própria subjetividade humana, assujeitada aos padrões majoritários, submissa a normas de existência. E se desde a primeira infância somos forçados a aprender as binariedades dos discursos de poder, as regras, os certos e errados, também aprendemos a viver uma vida que fracassa ao negar a nossa própria atitude política perante a sociedade, nas palavras de Félix Guatarri, perante o Capitalismo Mundial Integrado, esse mesmo que nos envolve e nos lança no globo.
Somos seres políticos; estamos inseridos em um fluxo acelerado de produção/consumo, relacionamo-nos com o entorno, com o outro, com a cidade. Estamos em Belo Horizonte, capital mineira, cidade dos morros, das praças, dos bares, do cinzento e poluído rio Arrudas, das avenidas em obras, do trânsito caótico, do sangrento jornal “Super”, das sangrentas notícias que vão para os jornais, das disputas políticas partidárias, das políticas públicas em crise. Sim, crise, assim como essa crise econômica mundial que assola a sociedade global afetando-a por completo. Fracasso, no sentido negativo em que a palavra carrega: erro, insucesso, impossibilidade, perda.
Pensando em política partidária, no sentido macro da palavra, macropolítica, política da visibilidade e da dominância, estamos em um momento único (novamente, de 4 em 4 anos), momento de novo governo, de trocas políticas, de novos projetos, de remanejamentos. Nesta passagem, as políticas públicas ficam atravessadas de interesses e disputas. E em momentos de crise, as políticas públicas culturais são as primeiras a se afogarem na lama da subjetividade assujeitada aos valores outros que não os culturais.
Os projetos públicos culturais viabilizados pela cidade nos anteriores 4 e 8 anos estão estacionados. Os 36 Centros Culturais construídos nos últimos 10 anos estão com as portas abertas e as salas vazias: sem recursos que viabilizem eventos artístico-culturais, com as bibliotecas fechadas por falta de bibliotecários (mesmo depois de haver concurso público com muitas vagas disponibilizadas para este setor), os freqüentadores do espaço passam a ser os porteiros e os guardas municipais contratados para zelar pelo patrimônio público.
Alguns projetos culturais ainda resistem em um último suspiro: com adicionais de verbas do governo anterior, esses projetos insistem em atividades artístico-culturais nos Centros Culturais espalhados pela cidade, numa tentativa de democratização e descentralização da cultura, oferecendo acesso a todos. Todos? Não, mera ilusão. Muitas são as pessoas que batem nas portas dos Centros Culturais interessadas em participar dessas atividades, mas não são atendidas por não haver mais espaços nos escassos projetos.
Até aqui mera denúncia. Passemos agora para o duplo da palavra fracasso como tentativa de subverter essa denúncia-desabafo e não deixá-la simplesmente escancarada em verbos sem possibilidades de novas passagens. Fracasso enquanto brecha, desvio, bifurcação, fissura. Pensemos na micropolítica.
Michael Foucault, no texto “Microfísicas do poder”, estabelece distinções entre estruturas macro e micro: a macropolítica e a micropolítica. Em Foucault, a política é entendida como relação entre forças, relação esta não necessariamente ligada a modos de dominação e repressão, mas relações pensadas como potência. Em qualquer relação há sempre um encontro de forças e nesse encontro há sempre uma diminuição ou aumento de potência delas. Força e poder. Toda força pode se agregar ou resistir à outra força e por isso toda relação de força é uma relação de poder. A cada relação, portanto, em toda relação de espaço, de saberes, de mídia, de sujeitos, há uma relação de poder. Este, então, não se configura como um poder central que submete as pessoas, mas ele está entre as pessoas, nas práticas cotidianas de cada coletividade. E é aqui que se encontra a política, inserida no cotidiano das relações: macropolítica e micropolítica.
A macropolítica é visível nas organizações estatais ou em grandes corporações, nas decisões de poder impostas por regras institucionais, ou seja, em macro-estruturas. Mas a política atua também na esfera micro. A micropolítica trata do campo das forças, do que é invisível, na medida em que essas também produzem realidades, afetos, desejos, enquanto a macropolítica trata das formas, do que é visível. A micropolítica interessa-se em fazer do cotidiano o território de invenções de outros modos de vida.
Caminho pela cidade. Pausa. Suspiro. Pensar em política nesse momento implica pensar nas relações de forças que transitam pelas tessituras das cidades, diminuindo ou aumentando suas potências, suas previsibilidades e suas possibilidades, estabelecendo relações com os corpos inseridos nestes espaços urbanos. Penso na arte enquanto ação micropolítica, provocadora de brechas na obviedade cotidiana, arte urbana, esparramada nas vias públicas oferecendo outros movimentos e tensões, outras cores e atravessamentos, pequenos rasgos no sistema, promotores de diferenças. A experiência estética introduz o novo enquanto possibilidade construtiva da existência.
Através de ações artísticas dissolvidas no cotidiano contemporâneo e na vida humana, abrem-se frestas de interferência a novas significações simbólicas e poéticas nas vias urbanas. Uma possibilidade de micropolítica pelas vias de arte; porém outros canais para esta ação de força existem também potentes e provocadores. Cabe a cada um, pensar na sua forma de arriscar em micropolíticas que, de fato, produzam outros modos de se relacionar com o entorno.
Sentados no sofá da sala, em frente à televisão, criticando o poder público e as macro-estruturas não chegaremos a nada além da denuncia. E denuncia por si só não provoca deslocamentos. É necessário outras atitudes, outros movimentos, outros trânsitos, outros pensamentos para se pensar em novas políticas da existência para este lugar que habitamos.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

ENCONTRO 16/06: Teatro da Biblioteca Pública

Rodrigo Duarte: o fracasso na obra de Adorno

Joerg Bader: o fracasso na fotografia

Esperando Godot - Samuel Beckett

por Camila Buzelin

Pensando a respeito do fracasso, lembrei assim, bem de repente, da peça teatral de Samuel Beckett, Esperando Godot.
Essa espera por algo que não veio/vem, seria um fracasso? Agora que temos mais ferramentas a respeito do fracasso, caráter de impossibilidade ou impotência?
Para quem não conhece muito bem sobre a peça, vai um link muito bom:
www.unipinhal.edu.br/ojs/falladospinhaes/include/getdoc.php?id=82&article=26&mode=pdf -
Um dos espetáculos mais representativos do Teatro do Absurdo, Esperando Godot, não teve seu sucesso logo de cara como comentam. Metade das pessoas que ocupavam os 200 lugares do teatro saíram na primeira meia hora de espetáculo; a outra metade, que ficava até o final, saia chutando cadeiras sem saber o que tinha acabado de ver ali. Não aguentavam olhar dois atores representando vagabundos que eram incapazes de fazer outra coisa além de esperar o misterioso Sr. Godot chegar. No Brasil a recepção foi parecida. A primeira montagem profissional do texto, em 1969, causou um grande estranhamento entre o público.
O professor de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP), Fábio de Souza Andrade, comenta sobre o texto:
“Muita gente diz que o mundo de Beckett é o mundo do comitrágico e não do tragicômico. No tragicômico tudo está cinzento, mas no fim o céu se abre. Mas em Beckett acontece o contrário: tudo parece leve, a gente ri das trapalhadas dos personagens, mas no fim percebemos que a luz não chega.”
(OBS.: Texto de pensamentos soltos mesmo!)

O Fracasso do retrato

Gostaria de levantar mais alguns pontos de discussão sobre a impossibilidade do retrato fotográfico se ater essencialmente ao referente (no caso o retratado), sem que outras camadas relacionadas à imanência do autor se manifestem:

1ª questão: O jogo de identidades no ato fotográfico.
Ao analisar a relação da câmara fotográfica com o rosto humano, Baudrillard faz do retrato um ato de desfiguração e despojamento do caráter do modelo. Confrontada com a encenação que o indivíduo fotografado faz de si, a objetiva não consegue idealizá-lo ou transfigurá-lo como imagem[1]. Barthes, em seu texto A câmara clara, localiza no retrato fotográfico o ponto de encontro e de confronto entre quatro “personagens”: aquele que o retratado acredita ser; aquele que desejaria que os outros vissem nele; aquele que o fotógrafo acredita que ele seja; aquele de que o operador se serve para exibir sua arte.

2ª questão: A diluição do conceito de identidade.
Vivemos hoje a ditadura de padrões normalizadores de conduta. A luta da adaptação mimética como única forma de autopreservação - se é que resta ainda algum eu a ser preservado. A afirmação de relações provisórias onde se elaboram socialidades alternativas, momentos de convívio construído a partir de modelos críticos o suficiente para apartar, mesmo que provisoriamente, as inter-relações humanas que nele se efetuam das restrições ideológicas da comunicação de massa. Certamente em função de tal situação, Stuart Hall afirme ser mais apropriado refletirmos sobre tais questões nos dias de hoje, a partir da superação do entendimento de identidade, como algo definitivo, pela noção identificação, como um estado cambiante, em permanente processo de transformação[2].
* * *
Somente esses dois pontos já nos levam a uma constatação: o modelo se assemelha ao infinito de possibilidades de si mesmo, não importa se real ou mental. A fotografia, na impossibilidade de captura da essência do referente, é ao mesmo tempo documento e agente da profunda mudança que se opera na consciência da identidade do indivíduo contemporâneo.

Sua redenção pode estar na superação do entendimento do ato fotográfico por uma prática que busca estabelecer relações de interação e empatia entre fotógrafo e fotografado. Como um jogo de verdade. Como lembra Eder Chiodetto, o caminho mais profícuo pode estar na constituição de uma relação, registro repleto de porosidades que denota a dissolução de um ser no outro. Só assim o retrato, tema dos mais recorrentes na história da arte, se potencializa como um acesso à transcendência.


[1] In: FABRIS, Annateresa. Identidades Virtuais. Uma leitura do retrato fotográfico. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004. p 75.
[2] In: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p. 39.

O fracasso como impossibilidade e como intenção

Dando continuidade à discussão do dia 9, procurei contextualizar o fracasso nas duas perspectivas, impossibilidade e intenção. Quem e o que fracassa? Focando o fracasso no objeto, o deslocamento passa do sujeito para o objeto, ou seja, o que fracassa. Podemos então, a partir daí, pensar como o fracasso é trabalhado, no individuo, no objeto ou no mundo.
Considerando uma das variações relacionada à formação da palavra “fracasso”, por exemplo, ”quebrar + abalar”, quebra/agitação, teríamos então uma condição prévia, que desencadearia o processo criativo; no caso do artista, a arte. Ato e efeito de fracassar é uma interrupção brusca seguida de um estado desnorteador.

Fracassar, v.tr.(Fr. Fracasser < do lat.frangere + quassare).
Frangere – (Frāngð; ĭs; frēgī; frāctŭm, frāngērě, v. trans. da raiz grega FРАГ) -1º. -.quebrar, fazer pedaços espedaçar, fraturar partir rasgar, dilacerar, fazer em tiras ou pedaços,esfarrapar,fender, abrir, rachar, romper, esmigalhar,pisar, moer, mascar, mastigar, comer/2º. -... violar, infringir, interromper/3º. – amolecer...: fig. Adoçar/4º. – abater.../5º. – fazer para... fig.: reprimir..vencer/6º. – derrubar... fazer ruído/7º. ...estralar...fazer ruído. (SARAIVA, 1993, p. 503)
Quassare – (Quāssð, ās, āvī, ātŭm, ārě, v. trans. e intrans. de Quatio. SEM. tr. PETR. Sacudir, abalar, abanar, mover, agitar com força. (SARAIVA,1993 p. 503, 991)

Na perspectiva do fracasso como interrupção ele estaria relacionado à maneira como essa interrupção atua no sentido de desencadear um processo ou de ser incorporada à expressão do artista.
A articulação da linguagem, é que vai definir o alcance do fracasso presente, direta ou indiretamente, no imaginário ou no universo do artista. Às vezes o fracasso se localiza no sujeito, na sua realidade, ou na ficção. Muitas vezes a criação, o criador e criatura se misturam.

Vejo também que a impossibilidade, como um viés do fracasso, seria a imobilização, o tornar impossível, impedir. Como impossibilidade ou intenção, ele não é uma “condição para”. A existência da atividade implica na não impossibilidade. Assim não existiria, pois, o fracasso como impossibilidade.
A impossibilidade é uma circunstancia a ser articulada, onde o “artista”, quando produz, nega essa impossibilidade, que assim deixa de existir. Partindo desse pressuposto, dentre as duas perspectivas propostas restaria o fracasso como intenção, o fracasso como destino.

Em relação à presença do fracasso como intenção, como experiência Individual, onde autor e obra se confundem ou se espelham, tomei como exemplo um trecho do ensaio sobre Baudelaire, “As flores do mal e o fracasso do poema”, de Marcelo Jacques Moraes (2007, p.151). Ele apresenta o poema, “O mau monge “, como “produção/encenação da experiência do seu próprio fracasso”

(...) “que o que o poema sempre expõe é, em ultima instância o seu próprio fracasso: a cada poema, o fracasso da poesia. O poema baudelariano – e seu êxito- é, portanto, também, e, talvez, acima de tudo, o trabalho de expor o seu próprio fracasso. (...) como mostrou Freud, o sintoma também vive do êxito de seu fracasso: o sintoma vive de revelar aquilo que, do que ele mostra, ele não pode deixar de ocultar.” (MORAES, 2007, p. 144).

No oposto, ou paralelamente, à experiência individual, vejo nas construções temporais uma “possibilidade” para proposições e ações de transformações cotidianas, como interrupção e forma de revelar o fracasso.

Para estudo de caso, relacionado à minha pesquisa, tomarei como referência construções emblemáticas de grande valor simbólico na cidade de Belo Horizonte, construída e reconstruída sob as sombras de projetos políticos culturais.

[PDF]Marcelo Jacques de Moraes/Alea: Estudos neolatinos, Janeiro-junho, ano/vol. 9, numero001. Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de janeiro, Brasil - pp. 141-151./www.scielo.br/pdf/alea/v9n1/a11v9n1.pdf –18:38
SARAIVA, F.R. dos Santos. Dicionário Latino Português. Rio de Janeiro: Garnier. 1993.

sábado, 13 de junho de 2009

Pierre Restany, o crítico do Novo Realismo.

Após o final da Segunda Guerra Mundial Nova York aparece no cenário artístico mundial, que até então era dominado pelo eixo Paris-Londres. A arte abstrata, que teve como ápice a action painting, “correspondeu à manifestação extrema de uma visão pessimista da condição humana, que era aquela da primeira revolução industrial.” (RESTANY,pg.111) Esta arte de evasão e recusa do mundo excluía todo apelo à realidade exterior do mundo.
Durante os primeiros dez ou quinze anos do pós-guerra, pode-se dizer que foram cortadas as pontes entre NY e Paris. A obra de arte se submeteu à urgência expressiva do criador, tornando-se um ato cada vez mais gratuito e sem significação.
O ano de 1960 foi o marco da reviravolta no pós-guerra. O mercado da pintura entra em crise e com ela, sua linguagem. Mas antes disso, alguns artistas já estavam buscando outros meios de expressar a sua arte. O grupo dos Novos Realistas começa a ser desenhado em 1958 quando Yves Klein faz a exposição O Vazio, na Galeria Íris Clert, em Paris. Pierre Restany, crítico francês e muito amigo de Klein é o impulsionador deste grupo.
O grupo dos Novos Realistas foi formado por Klein, Arman, Jean Tinguely, Hains, César, Dufrêne, Martial Raysse, Spoerri, Villeglé, Rotella e mais tarde aderiram Niki de Saint Phalle, Christo e Deschamps. Restany é autor do livro intitulado Os Novos Realistas. O Novo Realismo surge como reação ao período da expansão da arte abstrata, onde a produção industrial passa a ser a natureza, a realidade da sociedade moderna. A estética do objeto ganha espaço e a referência à Duchamp é inevitável. O problema da autonomia expressiva do objeto volta a ser discutida: o objeto de uso quando usado para fins poéticos, efetivamente é arte, na medida em que o artista assume a responsabilidade moral sobre ele. O Novo Realismo nada mais é do que “um novo aproximar-se perceptivo do real” (RESTANY, pg.29)
A relação entre europa-nova york, que estava cortada começa a ser retomada através da volta do diálogo do objeto. O artista americano Robert Rauschenberg desde os anos 50 questiona a estética gestual da action painting. Ele integra o objeto de uso comum no contexto expressionista abstrato através das colagens. Nos EUA outros artistas também retornam à discussão do ready-made. Os neodadaístas, como eram chamados, tempo depois se tornariam os artistas da pop’art.
Foram realizadas algumas exposições unindo os dois lados do Atlântico. Mas Restany sempre fez questão de evidenciar as diferenças entre os grupos, com a opinião de que os neodadaístas não levaram a apropriação do real às conseqüências extremas, fazendo uma arte ambígua, exibicionista e estetizada, mais preocupada com a elaboração plástica. Os novos realistas, no entanto, “retornam à realidade sociológica por necessidade de ar puro e não para aí respirar o incenso de um novo culto.” (RESTANY, pg. 153).
Onde está o fracasso? Na tentativa de Pierre Restany em separar os dois grupos, continuando com a ruptura de relações entre NY-Paris. Restany a todo momento em seu livro ressalta as diferenças dos dois grupos, na tentativa de fortalecer Os Novos Realistas:
"A América do Norte provocou nos novos realistas uma outra reação, cuja importância não é menor: ela lhes fez tomar consciência de sua diversidade, de sua singularidade. Longe de se americanizar em contato com o meio ambiente, eles perceberam que o sentiam de maneira diferente da de seus colegas do outro lado do Atlântico; dessa realidade sociológica sentiram principalmente toda a dimensão dinâmica projetada num perpétuo futuro: ela era para eles um devir energético. Enquanto que os artistas americanos consideravam esse produto de sua civilização industrial como um fenômeno de continuidade humana e histórica, uma “instituição” orgânica de seu meio, seu passado cultural imediato. É pelo fato de os objetos terem uma história ao mesmo tempo individual e geral, a de sua funcionalidade e de seu uso, que são dotados de um poder expressivo de comunicação, que exprimem uma fatia de vida: o termo de junk culture inventado por Lawrence Alloway define o fenômeno de maneira luminosa.” (RESTANY, pg.127)
Porém, com a morte de Yves Klein em 1962, os Novos Realistas chegam ao fim. Os americanos reconhecem Tinguely, Arman, Raysse e Christo muito antes de Paris. Hans Belting em o Fim da História da Arte vê Restany como o autor que insistia em separar os dois movimentos:
“Numa exposição coletiva de franceses e norte-americanos em 1961, Restany procurou por todos os meios distanciar seus compatriotas dos americanos “românticos” e de seu “fetichismo moderno do objeto. (...) Um ano mais tarde, tomou-se definitivamente a decisão a favor da arte pop americana, quando a galeria do mesmo Sidney Janis (...) apresentou ambos os grupos mais uma vez sob o título europeu “The New Realists”. O catálogo anunciava uma nova “arte internacional” que subsistia como uma forma de “folclore urbano” da mesma cultura de massa que Restany desprezava profundamente.” (BELTING, pg. 62)
O movimento não teve continuidade e acabou se dissolvendo e os artistas migraram para o lugar que Restany mais fazia questão de se distanciar: o país da Pop Art.

Postado por Flávia Coelho

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Três x Nauman

O fracasso parece ser um conceito recorrente na obra de Bruce Nauman. Há a fotografia de 1966-1967 – Bound to Fail – (vista e comentada na ultima reunião e aqui reproduzida) na qual podemos ver o artista de costas, amarrado e impossibilitado de reagir. Nesse trabalho, as interpretações são várias. O título certamente nos guia por caminhos que não iríamos nos aventurar sem ele. O artista está amarrado, certo, mas já foi dito que essa amarra parece ser bem cenográfica. Cenográfica ou não, para além da amarra, existe o corte do quadro, como bem observou Alexandre. Cortado na altura da cintura e do pescoço, a figura é um fragmento, um pedaço. Dessa forma ela é também incompleta, inconclusa e, se quisermos, fracassada. Existe também seu posicionamento, está de frente pra parede, com a cabeça baixa, como os presos recém detidos. Perdeu. 


Na mesma época Nauman retorna a fotografia e faz dela uma escultura-homenagem a Henry Moore (figura 02). Intitulada Henry Moore Bound to Fail o trabalho é, segundo o próprio Nauman, uma reação ao menosprezo de jovens escultores ingleses em ascensão e bem sucedidos – Anthony Caro e William Tucker – ao trabalho de Moore. Para esses escultores, Moore estava fora de moda e seu trabalho era opressivo, por isso iniciaram uma tentativa de achovalhar e colocar de lado o velho escultor. Nauman reagiu por pensar que, embora tivessem razão em alguns pontos, um dia ainda precisariam de Moore, era cedo para enterrá-lo. 



Ainda na mesma época Nauman realizou o trabalho Failing to Levitate in the Studio de 1966 (figura 03), fotografia em preto e branco realizada em dupla exposição. Mas não me parece que Bruce estivesse realmente querendo levitar. A fotografia é uma forma bem humorada de lidar com as tentativas dos artistas de alcançarem formas transcendentes em seus trabalhos.

Se pensarmos que os anos 60, são os anos em que grande parte das certezas em arte entram em colapso, esse trabalho de Nauman me remete mais a uma tentativa de destruição do mito modernista da obra-prima.

Nauman é um dos principais artistas americanos que iniciam experiências tendo o corpo como lugar da arte, além de ser pioneiro no uso do vídeo e da fotografia. Nesse sentido, talvez ele estivesse realmente querendo levitar. Mas pra mim ele quer dizer mais com essa imagem, parece querer dizer que o sentimento de elevação, o sentido metafísico, já não faz mais parte da prática artística, que qualquer tentativa de edificação nessa direção esta fadada ao fracasso. Que a arte se aproximou irreversivelmente da vida e que não existem mais mágicas, nem ilusionismos.


Manifesto dos Fracassados por opção

O Manifesto dos Fracassados por Opção é um evento/discussão sobre o fracasso, enquanto impossibilidade e intenção, cujo principal objetivo é destruir e/ou reafirmar a lógica entre essas duas premissas.
O grande problema com a arte do século XXI é a demanda constante por algo novo, original e de sucesso no meio. Em vez disso, as mesmas idéias quase cruas constantemente reaparecem sob uma sucessão de pseudoinovações exigindo o que elas merecem - fracasso.
Os Fracassados por Opção são de outra esfera não dominante, estão temporariamente na terra para resolver o que não podem e esperam desesperadamente pelos próximos óvni´s que virão busca-los para outra dimensão, a escaparem para todo o sempre de qualquer crítica seja ela institucional ou não.
Essa fuga marcará a morte de uns e o nascimento de outros, na qual irá reinar talvez o nada.
Sem ter nada pra fazer os Fracassados por Opção dominarão seu mundo subjetivo e libertarão todo o fracasso contido em si mesmo. Haverá liberdades outras, poderosas na aquisição de novas tecnologias massivas onde homens e crianças irão aprender a não controlar seus sentimentos compulsivos/ consumistas – adotarão o inglês como língua internacional do mundo.
Os Fs por Op tem comportamentos maneiristas e são “eu-mesmistas” na tentativa de se apropriarem da noção de copyright.
Eles combatem a coletividade, o sistema, a grana, a fama e o sexo.
Eles exigem que toda segunda-feira seja banida do calendário, seja para um artista ou um traunsente.
Os Fs por Op assumem seus desejos como utopias e não como sonhos, pois eles têm medo do que possa ser real.
Eles fazem micro-arte e acham que deliberadamente mudam a rota da subjetividade focando na nanoconcepção.
Os Fs por Op são contra ao culto ao artista, porque ele é benéfico para a arte, e são a favor, porque ele não é benéfico para o artista.
Os Fs por Op afirmam que a beleza não existe e não será nada.
Eles numa certa data, carimbaram algumas notas de banco com slogans pró-fracasso intencional: “Fracasse agora, lamente depois”.
Algumas intervenções dos Fs por Op, são sempre muito racionais, ilógicas e espetaculares, seja nas ruas ou em manifestos literários.
O Manifesto dos Fracassados por Opção sabe que a lógica é lugar comum e nenhum e não tem intenção de resolver qualquer coisa a não ser as suas próprias.
Sabem por superstição que são autodestrutíveis, autorefutantes e incoerentes.
Para panfletagem: A VIDA COMEÇA ONDE O FRACASSO SE ESTABELECE.
Esperam que outros possam creditar também seus fracassos e abusos nesta lista.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Sobre artistas, trabalhos e instituições.

A pesquisa "Intervenções urbanas no Museu: Estudo de Caso" foi realizada para a pós graduação da Escola Guignard.

Diante do tempo curto, foi feito um estudo de caso. A escolha de um trabalho para o estudo aproxima a visão sobre o posicionamento do artista em relação o próprio trabalho produzido, uma melhor compreensão sobre a relação deste tipo de trabalho com as instituições.
O trabalho escolhido para o estudo foi Fachada Subtraída nº 1 (Definitivamente inacabada) (todas as obras 2004), da artista Laís Myrrha. A obra foi realizada durante a Bolsa Pampulha, do Museu da Pampulha, que é uma bolsa-residência de incentivo a produção emergente.
Foi realizada uma entrevista com a artista e de textos sobre o trabalho e pesquisa de documentos sobre o trabalho no acervo do Museu de Arte da Pampulha.
Fachada Subtraída passa da situação de objeto, de instalação, de site specific. O trabalho existe desde sua inserção na paisagem, no caso, da oficina mecânica, a passagem do tempo sobre a mimese da parede, sua remoção da fachada, o deslocamento até o museu e sua instalação que não se adapta ao espaço, gerando um incomodo visual.
O trabalho existe como um processo, um evento, uma marca no tempo, e isso inclui sua exibição, visto que o processo final é a exposição no museu, o deslocamento. Assim a permanência do objeto fachada no acervo não se faz necessário, visto que seria incompleto na concepção da artista.
A análise do que existia no acervo do museu constatou a ausência do trabalho, mas a existência de materiais que comprovam a existência da obra e sua exibição no espaço do Museu de Arte da Pampulha.
Acredito que os registros (fotografias, fichas e demais documentos) não institucionalizam um trabalho que é realizado na rua, ou em ambientes públicos. Intervenções urbanas, além de dialogar com a rua, também se referem ao tempo, ao cotidiano, a sociedade.
A documentação rasa aponta a falha do artista com o seu próprio trabalho. Poucos artistas tem o cuidado de tratar a documentação como uma continuidade do trabalho.
Os registros em museus e arquivos se relacionam com a história de um dado momento, de um grupo de pessoas, de uma cultura. A arte, como um meio de dialogo com o social, com seu tempo.
O estudo ampliado e detalhado do acervo possibilitaria a verificação de um panorama da arte pública, sobretudo as intervenções de caráter efêmero e/ou transitório, sendo feita uma analise nas questões de memória e legitimação de obras e de artistas.
Além das questões da arte contemporânea, o estudo de acervos sobre arte pública de uma forma mais ampla propiciaria uma crítica tanto do artista, do sistema da arte e da permanência da cultura.


O que fracassa?
- A relação do artista com o seu próprio trabalho.
Se o sujeito que idealiza o trabalho, o executa e "expõe" de alguma forma não visualiza o registro/documento como uma forma de constituir um repertório sobre sua própria trajetória, quem vai faze-lo?
O que explicaria a "falta" de cuidado e preocupação dos indivíduos que fazem intervenção?

domingo, 7 de junho de 2009

Considerações sobre a construção do fracasso no evento da cidade

Partindo a principio das bases da Internacional Situacionista, fundada por Guy Debord por volta de 1960, talvez seja exagerado falar de uma verdadeira teoria urbana situacionista. (o pensamento urbano situacionista: a psicogeografia, a deriva e, principalmente, a construção de situações).
Sabe-se que no princípio os situacionistas pretendiam, no mínimo, construir cidades, o ambiente apropriado para o despertar ilimitado de novas paixões.
À medida que as idéias foram se desenvolvendo, notou-se uma seqüência clara de mudança na escala de preocupação e área de atuação do pensamento situacionista. Se inicialmente eles estavam interessados em ir além dos padrões vigentes da arte moderna – passando a propor uma arte diretamente ligada à vida, uma arte integral – logo em seguida eles perceberam que esta arte total seria basicamente urbana e estaria em relação direta com a cidade e com a vida urbana em geral.
À medida que os situacionistas afinavam as suas experiências urbanas, eles abandonaram a idéia de propor cidades reais e passaram à crítica feroz contra o urbanismo e o planejamento em geral. Perceberam então que não seria possível propor uma forma de cidade pré-definida, pois, segundo suas próprias idéias, esta forma dependia da vontade de cada um e de todos, e esta não poderia ser ditada por um planejador. Qualquer construção dependeria da participação ativa dos cidadãos, o que só seria possível por meio de uma verdadeira revolução da vida cotidiana. Eles passaram da idéia da revolução da vida cotidiana para a questão da revolução política propriamente dita, e a partir desse momento os textos situacionistas abandonaram as idéias sobre a cidade em particular, para se dedicar a questões exclusivamente políticas: ideológicas, revolucionárias, anti-capitalistas, antialienantes e antiespetaculares (o que não deixou de estar relacionado à questão urbana).
Mas a crítica urbana situacionista teve efetivamente uma base teórica, sobretudo de observação e experiência da cidade existente. Pode-se considerar a reunião das idéias, procedimentos e práticas urbanas situacionistas como um pensamento singular e inovador, que poderia ainda hoje inspirar novas experiências, interessantes e originais, de apreensão do espaço urbano. Mas é importante dizer que não existiu de fato um modelo de espaço urbano situacionista como o desejaram a principio. Sob esse ponto de vista, as idéias e tentativas de praticas urbanas poderiam ser consideradas fracassadas; o que existiu, foi o uso, ou apropriação, situacionista do espaço urbano. Assim como não existiu uma forma situacionista material de cidade, e sim uma forma situacionista de viver, ou experimentar, a cidade. Neste sentido há uma mudança de perspectiva o que faz pensar na expansão do diálogo entre as primeiras idéias e os experimentos citadinos e não propriamente um fracasso.
A idéia central era a construção de situações, isto é, a construção concreta de ambiências momentâneas da vida e sua transformação. Deveriam elaborar uma intervenção sobre os dois grandes componentes que interagem continuamente: o cenário material da vida e os comportamentos que ele provoca e/ou altera.
Para tentar chegar a essa construção total de um ambiente, os situacionistas criaram um procedimento ou método, a psicogeografia e a deriva, que estavam diretamente relacionados. A psicogeografia foi definida como um modo de comportamento experimental ligado às condições da sociedade urbana: técnica da passagem rápida por ambiências variadas. Ficava claro que a deriva era o exercício prático da psicogeografia e, além de ser também uma nova forma de apreensão do espaço urbano e não pretendia ser vista como uma atividade propriamente artística, e sim como uma técnica urbana situacionista. A tentativa era de desenvolver na prática a idéia de construção de situações através da ação do andar sem rumo. A psicogeografia estudava o ambiente urbano, sobretudo os espaços públicos, através das derivas, na tentativa de mapear os diversos comportamentos afetivos diante dessa ação, basicamente do caminhar na cidade.
Algumas dessas derivas foram fotografadas e eram vistas como mapas. Cartografias subjetivas, ou mapas afetivos, chegaram a ser efetivamente realizados, e um deles ficou quase como um símbolo situacionista The Naked City.
A IS se dissolveu em 1972, um fim que para o seu fundador, Debord, seria o verdadeiro começo:
O movimento das ocupações [Maio de 1968] foi o início da revolução situacionista, mas foi só o começo, como prática da revolução e como consciência situacionista da história.
Essas idéias se desenvolveram também no meio artístico após os situacionistas. Logo em seguida o grupo neo-dadaísta Fluxus também propôs experiências semelhantes; foi à época dos happenings no espaço público. No Brasil os tropicalistas também tiveram algumas idéias semelhantes, principalmente o Delírio Ambulatorium de Hélio Oiticica (outros artistas brasileiros já tinham proposto experiências no espaço urbano bem antes, como por exemplo, Flávio de Carvalho). Dentro do contexto da arte contemporânea, vários artistas trabalharam no espaço público de uma forma crítica ou com um questionamento teórico, e, entre vários outros, podemos citar: Krzysztof Wodiczko, Daniel Buren, Gordon Matta-Clark, Dan Grahan, Barbara Kruger, Jenny Holzer ou Rachel Whiteread. O denominador comum entre esses artistas e suas ações urbanas seria o fato de que eles viam a cidade como campo de investigações artísticas e novas possibilidades sensitivas, e estes acabavam assim mostrando outras maneiras de se analisar e estudar o espaço urbano através de suas obras/experiências, onde o fracasso pode ou não ser objeto de diálogos.