terça-feira, 14 de julho de 2009

Entornos





Acordo. Outro dia. Continuo inserida nas políticas da existência, viva, acompanhando as notícias dos jornais, da internet, estabelecendo trocas com o meio, com o outro, com o entorno. Sou corpo, pele, carne, ossos, órgãos, organismo, nome, sobrenome, transeunte, cidadão do mundo. Na bolsa, carteira, RG, CPF, CNH, título eleitoral, cartões de banco, chaves de casa, um livro que me tire daqui mesmo que por alguns minutos. Aguardo.
As notícias continuam as mesmas de ontem e anteontem; os jornais organizam sua estrutura editorial por temáticas. Após uma explosão de matérias provindas de diversos meios, mídias, conversas, cochichos sobre a morte do “rei do pop” Michael Jackson, novamente vem à tona a mesma notícia do escândalo do Senado, das contas fantasmas, das políticas da boa vizinhança e do parentesco. A velha novidade de sempre: o Brasil está em crise.
Estamos em crise: crise da política, crise da identidade, crise da autonomia, crise da subjetividade. Com febre, caminhamos pelas vias públicas com passos pálidos. O céu está cinza; há uma nuvem preta que paira no ar. Mormaço. Sufoco. Desanimados, continuamos a freqüentar nossos mesmos lugares de sempre, cumprindo nossas metas: dias úteis, horários de trabalho, horas extras, finais de semana, feriados, férias remuneradas. O relógio da sala continua congelado. A pia do banheiro pinga. Quando é que terei tempo e dinheiro para consertá-la?
Ainda insisto em pensar a política: macropolítica e micropolítica. Mesmo deixando de lado a bibliografia de Michael Foucault e buscando outras reflexões nas linhas de Gilles Deleuze e Félix Guattari. São as linhas molar, molecular e de fuga, emaranhadas entre si, produtoras dos modos de reprodução, composição e invenção subjetiva e social, quem me dão outros subsídios para deslocar meu pensamento, elaborar minha escrita, dar passos ritmados. Animada, ensaio letras, outros passos, uma coreografia. Sucesso ou fracasso?
Inserida num molar de macroestruturas rígidas posso registrar pegadas em um plano de composição, passos de dança, uma coreografia. Voltando a conversa anterior sobre as políticas da existência, fugindo de tudo o que cristaliza, estabiliza e conforta, busco brechas para exercer a micropolítica que está ao meu alcance. Dança. Improvisação.
Mais um projeto cultural da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte se paralisa. Outro suspiro. O Arena da Cultura fecha seu território, sem previsões de quando será a reabertura. Os Centros Culturais esparramados pela cidade também não terão mais essa atividade, as artes não mais preenchem as salas desses centros descentralizados. Sobram blocos de vazio, buracos negros, muros brancos. Silêncio.
Onde posso encontrar canais que me possibilitam estimular o exercício de meu pensamento? Que percurso seguir para participar das políticas públicas culturais em minha cidade? Macropolítica e micropolítica de Foucault. Linhas molar, molecular e de fuga de Deleuze e Guattari.
Nesse macro-molar busco micro-moléculas. Quero fugir de um mundo marcado pela corrupção. Brechas. Após o desabamento de um ultimo projeto em atuação pela Fundação Municipal de Cultura me encontro desempregada. Sem a carteira assinada pela FUNDEP, Fundação de Desenvolvimento e Pesquisa, que também está envolvida nessa paralização em macro-escala da Prefeitura devido a escândalos financeiros, continuo a persistir na dança, na micropolítica em linhas de fuga.
Do fracasso molar de macropolíticas caóticas, abre-se um plano de composição com fissuras, buracos de possibilidades. È fundado, em grupo, um coletivo em dança autônomo e autogestor, pelos ex-alunos do recém falecido Arena da Cultura (lembro: o defunto poderá ressuscitar a qualquer momento, só não me pergunte em que dia ou em que ano).
Pensando nessas nossas políticas da existência, criando canais diretos entre arte e política, dança e micropolítica, o lugar da cena escolhido pelo coletivo é o espaço público urbano, as ruas da nossa cidade. Quinzenalmente, aos sábados pela manhã, o coletivo está se encontrando em um determinado local da cidade para exercitar a dança, a improvisação, compondo com paisagens urbanas, oferecendo outros diálogos entre corpo e cidade. Corpos se esticam, torcem, entram em contato direto um com o outro, deitam-se no chão. Corpos em estado de dança.
Desta forma, por essa dança coletiva urbana as avessas, busca-se estabelecer outros elos entre arte e vida pública, abrindo frestas de interferência a novas significações simbólicas e poéticas nas vias urbanas, outras formas de política, de atitude em tempos de inércia. São linhas de fuga em um mundo marcado pela previsibilidade dos acontecimentos; tentativa de exercer uma política da criação, de direito de todo e qualquer cidadão.

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