terça-feira, 7 de julho de 2009

Objeto–Linguagem–Sentido–Imaginação–Desejo



Objeto – Linguagem – Sentido – Imaginação – Desejo

Cristiano Bickel e Samir Lucas

Falha, desvio, interrupção, perda, castração, transferência, repulsa, pulsão... esses modos comportamentais ou atitudes, desempenham funções psíquicas e, agem como elementos de constituição da arte. A arte como qualquer outro regime de símbolos é motivada por nossos instintos e desejos primários. O sujeito funda-se de um erro, ou melhor, de uma impossibilidade expressa na falta da satisfação e incompletude dos desejos.

Essa impossibilidade por sua vez, é fundadora do sujeito no mundo da linguagem, onde ele poderá expressar-se e interagir com os objetos. Porém, somente através da relação sujeito – objeto, que podemos alcançar as falhas, desvios, interrupções, perdas, castrações, transferências, repulsas, pulsões primárias e inconscientes. O confronto sujeito – objeto revela e oculta o conteúdo inconsciente que afirma o desejo.

De onde os artistas tiram a capacidade criadora não constitui questão relevante para a psicanálise. O objetivo primário do artista é liberar-se e, através da comunicação de sua obra a outras pessoas que sofram dos mesmos desejos sofreados, oferecer-lhes a mesma libertação . No exercício da arte podemos ver uma atividade destinada a apaziguar desejos não gratificados – em primeiro lugar do próprio artista, e em segundo lugar da sua assistência ou espectadores.

Freud nos diz que a psicanálise pode esclarecer satisfatoriamente alguns dos problemas referentes a arte e aos artistas, embora outros lhe escapassem inteiramente. Em sua extensa obra psicanalítica, podemos distinguir alguns textos com intenções de adentrar ao campo da arte e da estética, mas, no entanto, pouco auxiliaram ao avanço crítico destes campos. Freud não escreve uma teoria da arte em meio a teoria dos instintos ou da teoria da libido, mas coloca a Arte como parte dos elementos individuais e coletivos de criação e comunicação.

Em seus textos que abordam os princípios da psicanálise, quando explora a formação sujeito na constituição da linguagem e na, busca de realizar os desejos instintivos, encontramos material denso que auxilia o nosso entendimento sobre arte. Assim encontramos em textos como “Além do principio de prazer” e “O estranho” instrumentos teóricos que nos ajudam a formular algumas questões relativas a arte e aos artistas, sobretudo à condição do fracasso na Arte.

Assim, estabelecemos uma relação entre três elementos: objeto–linguagem–desejo, que nessa tríade constituem a base para o entendimento da arte pelo viés psicanalítico. Estando nos jogos de linguagem, a arte estabelece conexões objeto-linguagem-desejo, porém no campo da ilusão. Para Freud, a arte “quase sempre é inócua e benéfica; não procura ser mais do que uma ilusão (...) esta não tenta invadir o reino da realidade.”

A Arte é da ordem do artifício, podendo inclusive operar as faltas, os traumas, os desejos, as inseguranças, os afetos, porém engendra impossibilidades. Isso, coloca a arte no rol dos mesmos processos psíquicos que fracassam: a castração, o recalque, a perversão e o delírio. No seu sentido teleológico a arte afirma o confronto do sujeito com as coisas e sua impossibilidade de comunicação e de satisfação das faltas e incompletudes dos desejos.

Por outro lado, é próprio aos acontecimentos o fato de serem exprimíveis por meio de proposições. Diferentes proposições podem conter o mesmo significado, sua forma não influi diretamente em seu conteúdo. Deleuze aponta três relações distintas na proposição. São elas: Designação: Opera pela associação de das palavras com imagens particulares, que devem “representar” o estado de coisas exteriores. Manifestação: Trata-se da relação da proposição ao sujeito que fala. O enunciado de seus desejos e crenças. Significação: É a relação das palavras com conceitos universais. Implicação conceitual.

Em nenhuma destas três relações foi apontado o sentido. Onde então, encontramos o sentido? Qual a sua natureza? É difícil julgar a existência de palavras, coisas, imagens e idéias que respondam. Pois não podemos nem mesmo dizer a respeito do sentido, que ele exista: nem nas coisas, nem no espírito, nem como uma existência física, nem como uma existência mental. Diremos que, pelo menos, ele é útil e que devemos admiti-lo por sua utilidade? Também não, o sentido é estéril. Não se pode inferi-lo a não ser indiretamente.

O sentido não faz parte de uma proposição, não se trata de um signo de asserção, como “implica” ou “logo”, “o sentido antes de tudo é uma entidade inexistente, complexa e irredutível, que insiste ou subsiste na proposição”. O sentido é um acontecimento. Ele é o expresso da proposição. Esta dimensão ultima chamada por expressão, se distingue da designação, da manifestação, da demonstração. O expresso surge como a quarta dimensão da proposição.

Consideremos então o estatuto complexo do sentido ou do expresso. De um lado, não existe fora da proposição que o exprime. Daí porque o sentido não pode ser dito existir, mas somente insistir ou subsistir na proposição. Mas, por outro lado, não se confunde de forma nenhuma com a proposição, ele tem uma “objetividade” completamente distinta. O expresso não se parece de forma nenhuma com a expressão. O sentido se atribui, mas não é absolutamente atributo da proposição, é atributo da coisa ou do estado de coisas. Inversamente, este atributo lógico, por sua vez, não se confunde de forma alguma com o estado de coisas físico, nem com uma qualidade ou relação deste estado. O atributo não é um ser e não qualifica um ser; é um extra-ser. Mas aqui não se trata de um círculo. Trata-se, antes, da coexistência de duas faces sem espessura, tal que passamos de uma para a outra margeando o comprimento.

Inseparavelmente o sentido é o exprimível ou o expresso da proposição e o atributo do estado de coisas. Ele volta uma face para as coisas, uma face para as proposições. É, exatamente, a fronteira entre as proposições e as coisas. Ao mesmo tempo extra-ser e insistência, este mínimo de ser que convém às insistências. É neste sentido que é um “acontecimento”: com a condição de não confundir o acontecimento com sua efetuação espaço temporal em um estado de coisas. Não perguntaremos, pois, qual é o sentido de um acontecimento: o acontecimento é o próprio sentido. O acontecimento pertence essencialmente à linguagem, ele mantém uma relação essencial com a linguagem; mas a linguagem é o que se diz das coisas.

A arte serve a conhecer ou afirmar um sentido de mundo? Até que ponto um ato artístico é capaz de fixar um pensamento, um instante? Qual a potência e abrangência das ações materializadas nas concreções plásticas?

Questões cruciais ao fazer artístico que localizam-se nos estratos mais profundos do ato criador, provocam a especulação e a tentativa de demarcar intenções no próprio fazer da arte movida pela subjetividade.

A ação, que é a própria invenção do fazer, não se define apenas como elemento estanque aos seus dados constituintes, mas como movimento em fusões processuais e construtivas, fazendo incorporar e pertencer à forma características e sentidos não existentes antes da sua formação e, depois da ação criadora, passam a lhe pertencer como se fosse seu anteriormente, como uma “naturalidade” amalgamada.

A realidade que nos circunda é, por assim dizer, uma grande convenção, ou melhor dizendo, uma grande invenção. Talvez a maior delas se pensarmos no somatório de todos os acordos e convenções que juntos se apresentam a figurar o lugar do real. Contudo, por convivermos entre percepções acordadas que se fazem crer por seus acordos na dimensão ficcional dos objetos e, tão intrinsecamente vinculada à sua concretude material, que tal condição fenomenal da matéria soa distante, e não óbvia e natural, uma vez que remonta à própria constituição material, fragmentada, imaginária e em movimento, essência do nosso mundo enquanto sistema de objetos e de significações entrecruzadas na materialidade.

A arte faz-se, então, nesse lugar do encontro e da separação, da afirmação e do antagonismo, do abstrato que demarca concretudes, lugar do movimento, intangível, intocável, de sempre busca e infinitamente pulsante entre as coisas e o mundo. A produção artística funda-se, então, no fazer e, assim, encontra-se no mover, nesse estado de fluxo e refluxo em contínua oscilação autopoética por uma subjetividade criadora. Félix Guattari, assim, escreve:
Cabe especialmente à função poética recompor universos de subjetivação artificialmente rarefeitos e re-singularizados. Não se trata, para ela, de transmitir mensagens, de investir imagens como suporte de identificação ou padrões formais como esteio de procedimento de modelização, mas de catalizar operadores existenciais suscetíveis de adquirir consistência e persistência.

Nenhuma questão fecha-se com os trabalhos, nem eles mesmos têm essa função ou pretensão. Mas, sim, abrem-se outras visões e questões a essas, que são primordiais. A obra de arte retira das coisas seu aspecto de matéria ou mesmo de material acabado e revela o instante poético que tudo tem em si, de si, do outro e do mundo. A desordem psíquica que provoca o objeto artístico é uma reordenação na forma de ver o mundo e a sua ação está circunscrita à sua presença materialmente manifesta. O fazer artístico é um campo oscilatório e propaga-se simultaneamente por diversas ondas e freqüências, que cruzam em encontros poéticos, abrindo-se e fechando-se em questões, que se abrem e se fecham novamente.




Referências Bibliográficas

FREUD, Sigmund, 1856-1939. Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901). Volume XI. Edição Standard das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; com comentários e notas de James Strachey; em colaboração com Anna Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson; traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. — Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund, 1856-1939. Totem e Tabu e outros trabalhos (1913-1914). Volume XIII. Edição Standard das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; com comentários e notas de James Strachey; em colaboração com Anna Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson; traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. — Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund, 1856-1939. Além do princípio do prazer, Psicologia de Grupo e Outros Trabalhos (1920). Volume XVIII. Edição Standard das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; com comentários e notas de James Strachey; em colaboração com Anna Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson; traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. — Rio de Janeiro: Imago, 1996.

DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. Trad. Luiz Roberto Salinas FortesSão Paulo: Ed, Perspectiva, 1974.

GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Trad. Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. (Coleção TRANS)

5 comentários:

  1. Seguindo com o tema do sujeito e do fracasso, recorto duas cartas trocadas por Einstein e Freud. A discussão abre com a pergunta 'Por que a guerra?' e já no primeiro parágrafo Einstein comenta o fracasso da humanidade em livrar-se da guerra. A resposta de Freud nos apresenta uma reflexão sobre a violência e o fracasso de sermos humanos, sujeitos e civilizados entre os instintos de Eros e a destrutividade.
    Cristiano Bickel

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  5. Referências:

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    http://www.scribd.com/doc/7359545/Cartas-Entre-Freud-e-Einstein-POR-QUE-a-GUERRA
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    FREUD, Sigmund, 1856-1939. Novas Conferências Introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos (1932-1936). Volume XXII. Edição Standard das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud; com comentários e notas de James Strachey; em colaboração com Anna Freud; assistido por Alix Strachey e Alan Tyson; traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral de Jayme Salomão. — Rio de Janeiro: Imago, 1996.

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