sábado, 18 de julho de 2009

Atos e eventos: do urbano ao campo e vice-versa

Diz-se de um instante em que o ser latente,
no percurso de hominização, descolou-se da natureza.
E, assim, abriu um hiato entre ele e a paisagem.

Desde a revolução industrial, os movimentos artísticos periodicamente optam por deixar de lado a sujeira e a esqualidez do planeta. A tecnologia e o progresso eram considerados racionais e pragmáticos, enquanto as regiões selvagens eram encaradas como espaço utópico de liberdade e de possibilidades. Isso foi explorado pelo movimento da “land art”, que desde sua concepção, nos anos 1960, deixou de lado a estética modernista e a hegemonia financeira do mercado das artes.
A Land Art, interferindo na natureza, fez com que os espaços naturais e também as paisagens alteradas industrialmente se convertessem em material de configuração artística. Em ambientes distantes e despovoados da Terra - desertos, lagos, geleiras, montanhas - artistas escavaram significados, traçaram linhas sobre o terreno, tingiram superfícies, empilharam pedras, reordenando os lugares.
Hoje, se mostram como registros efêmeros da presença do homem e da artisticidade em regiões vazias e silenciosas. São interferências de protesto contra a estética do plástico e do metal, contra a polida perfeição industrial. Ou ainda nas palavras de Anne Cauquelin (A Invenção da Paisagem), “uma tentativa ética de devolver a terra seu estado primeiro, livrando-a das devastações humanas por meio de certa disposição particular do sítio no sítio”.
No âmbito da produção escultórica, os artistas utilizaram a vastidão dos espaços naturais como verdadeiro objeto artístico. Espaços que o sentido privilegiado do olhar não conseguiria controlar.


A questão da exploração desses espaços naturais consiste nas relações entre arte e imagem com a realidade natural, mesmo quando tais relações vêm negadas, deformadas, abstraídas ou de invenção surrealistas, onde a relação não é superada, mas apenas polemicamente revirada.
No pensamento de Umberto Eco (semiótica da cultura), ele aponta um paralelo entre as operações da natureza e as operações artísticas: “[...] a arte opera como a natureza, isto é, produz objetos com uma estrutura unitária, coisa entre coisas, organismos autônomos, formas vivas”.
Nesse sentido, a arte corresponde a um tipo de maneira de produzir objetos no mundo. Sua condição de fazer antecede a sua condição sígnica, e este fazer se assemelha ao modo como a própria natureza gera seu repertório de seres.

Para o antropólogo Claude Lévi-Strauss, o declínio das relações entre o homem e a paisagem natural está claramente apresentado nas obras de arte, a partir do final do século XIX.
Da análise do declínio das relações entre homem e natureza, podemos pensar atitudes afirmativas e empáticas do homem com o mundo natural em constante processo de deslocamento. A invenção e a ampliação da nossa visão de paisagem – paisagens subterrâneas, submarinas, aéreas, planetárias, sonoras. O que se modifica é a própria dimensão da artisticidade. Diante da morte de um tipo de paisagem – tal como é anunciada por Lévi-Strauss, o olhar do historiador da arte contemporânea nos permite encontrar novas paisagens. Ou inventada (Anne Cauquelin) segundo a qual “a noção de paisagem e sua realidade percebida são justamente uma invenção, um objeto cultural patenteado, cuja função própria é reassegurar permanentemente os quadros da percepção do tempo e do espaço, é, na atualidade, fortemente evocada que preside a todas as tentativas de “repensar” o planeta como eco-sócio-sistema”. Aqui, a arte pode ser pensada no âmbito de uma reinauguração do relacionamento humano com o ambiente natural.



Das relações entre arte e natureza (Land art e Earth art), se instauram uma diversidade de problemáticas, envolvendo a constituição de um evento em sites specific ou não: a reafirmação da artisticidade da natureza e do belo natural; o restabelecimento do lugar do natural na arte; os registros como continuidade do efêmero, etc.
Abre-se aí uma série de discussões sobre as possibilidades do fracasso em cada desejo de instaurar o natural no natural, o artificial no natural e em alguns momentos seus paradoxos.


A discussão do espaço está embutida nele mesmo. Uma instalação que foi feita no campo poderia acontecer em outro espaço? Muitos artistas concebem projetos específicos para o espaço mesmo quando vão expor em uma galeria mostra uma tentativa de particularizar cada situação. Além disso, uma incontornável descrença em relação à ideologia do "cubo branco" (o espaço neutro em que a arte se posta em sua autonomia) faz com que toda obra se deixe contaminar pelo entorno: Já que nenhum espaço é neutro, todo projeto artístico pode ser “site specific“.
Onde se instaura o fracasso? No resultado visual ou no deslocamento das subjetividades? Isso pode ser considerado um fracasso ou um desdobramento das experiências que naturalmente sugerem desvios?

As fotografias se referem ao 'site specific' quando trazem para outro âmbito a fisicalidade da obra. A princípio a documentação das obras fotografadas, seria uma espécie de atualização da "land art" (natural ou urbana). Em "A Escultura no Campo Expandido" (1978), da crítica de arte norte-americana Rosalind Krauss, sugere o entendimento da "land art" como uma extrapolação do campo tradicional da arte. "As intervenções na paisagem constituem um primeiro momento do 'site specific', o deslocamento dos registros para o espaço do museu, um segundo", explica.
E haveria ainda um terceiro momento em que o "site specific" não está mais no espaço referente nem no institucional, mas no campo da informação (internet e publicações). "Trata-se do 'site specific' extrapolado."
A fotografia pode ser uma aliada ou não, partilhar ou não, e nesse sentido fica sempre a relação de modos que cada um deverá imprimir em seu projeto, seja ele urbano ou na natureza. O que fracassa nesses percursos, pode estar relacionado ao sujeito que idealiza o projeto, o executa e expõe.

Nesse sentido retomo parte das reflexões de meu texto anterior sobre as experiências dos situacionistas nas cidades. O denominador comum entre essas ações seria o fato de que nelas a paisagem será sempre como um campo de investigações artísticas e novas possibilidades sensitivas, se mostrando de maneiras múltiplas de analisar e estudar o espaço natural através das experiências e suas expansões/extrapolações, onde o fracasso pode ou não ser objeto de diálogos.

Trabalhos de bya medeiros e fotos de Cuia Guimarães.

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